Socióloga, professora universitária, militante social e ouvidora da Defensoria Pública do Estado da Bahia, Vilma Reis defendeu a aproximação dos movimentos sociais e Defensoria Pública em sua palestra que encerrou neste sábado 05/03 o I Encontro Nacional da Defensoria Pública com os Movimentos Sociais. Realizado pela ANADEP em parceria com a ADEP-MG e Defensoria Pública de Minas Gerais, o evento reuniu em dois dias diversos movimentos sociais e defensores públicos.

Há cerca de dez meses à frente da Ouvidoria baiana, Vilma Reis resgatou início de uma década “de diálogo institucionalizado”, referindo-se ao surgimento da Ouvidoria de São Paulo que, em 2006,   deu início a criação das demais ouvidorias no Brasil e a participação institucional da sociedade civil junto às Defensorias Públicas.

Para a ouvidora, a aproximação dos movimentos sociais com os defensores públicos por meio das ouvidorias externas proporciona a continuidade da função social da instituição. “A Defensoria tem a chance, com a criação das ouvidorias externas, de não ser um poder imperial, de não ficar encastelada, de não se separar do povo. É isso que está em jogo”, afirmou Vilma Reis.

Confira  entrevista com a Ouvidora da Bahia, Vilma Reis.

Como está sendo o trabalho na Ouvidoria?

Vilma Reis: É um desafio todo dia, porque viemos de uma situação muito difícil. Foi preciso reestruturar toda a vida da Ouvidoria. Eu digo desafio porque quando a gente, que vem da sociedade civil com essas causas às quais eu me envolvo, como a defesa das comunidades quilombolas e até mesmo minha posição enquanto acadêmica, pesquisadora da área de segurança pública e especialmente sobre a polícia e a ação dela contra jovens homens negros, e venho me posicionar publicamente sobre isso, essas causas vieram junto comigo para dentro da Ouvidoria. Nós fizemos um projeto de gestão que foi costurado por mais de 120 lideranças sociais. Todas essas lutas adentram a Instituição, precisamos então fazer toda uma costura entre a capital e o interior. A Ouvidoria Geral da Defensoria Pública da Bahia tem um grupo cooperativo que é seu conselho consultivo que da o direito de representação e voz dessa ouvidoria em todas as cidades onde está a Defensoria.

Durante sua campanha ao cargo de Ouvidora a senhora disse que era preciso “ocupar efetivamente o lugar destinado à sociedade civil”, que, neste caso, seria na Defensoria Pública. Estão conseguindo ocupar esse lugar?

Vilma Reis: Esta foi uma marca muito forte da última campanha para Ouvidoria da Bahia porque, mesmo regional, se nacionalizou, porque lideranças do Brasil inteiro participaram da campanha. Acabou sendo uma marca também na ouvidoria do Ceará e está ocorrendo o mesmo com a ouvidoria do Rio Grande do Sul.  Nós somos feministas, mulheres do movimento de mulheres negras, e essas causas vêm com a gente. Nós  entendemos que era preciso ocupar o espaço da ouvidoria porque diante da tragédia como nos apresenta a Anistia Internacional de que cerca de 50 mil jovens tem a vida ceifada de forma covarde, e que suas mães estão desesperadas e que suas vozes estão desacreditadas do sistema de justiça, resolvemos que essa porta, chamada Defensoria Pública, tem que ser uma porta permanentemente aberta e de garantia à justiça para essas mulheres.

Para pautar as diversas questões da sociedade, a senhora acha que seria preciso de uma campanha nacional para criação de novas Ouvidorias?

Vilma Reis: “Hoje no Brasil nós temos apenas 11 ouvidorias da Defensoria Pública. A primeira coisa que queremos deixar muito claro e muito nítido é que a Ouvidoria não é Corregedoria. O nosso papel é estabelecer a ponte entre a sociedade civil, nos seus vários movimentos organizados, com a pauta dos próprios defensores. Portanto, é bom para Instituição ter uma Ouvidoria externa. Hoje não cabe mais chamar um defensor público, mesmo que esteja aposentado, para ocupar o lugar de ouvidor, porque nós estamos falando de um nível de embate, inclusive com os outros entes do sistema de justiça, que um defensor não poderá fazer, mas o movimento social sim. Inclusive porque tem se escolhido pessoas que tenham legitimidade e força em setores da sociedade que nem sequer a Defensoria transitou. Por isso precisamos de movimentos que se nacionalizem, empoderem e que tenham lideranças construídas no barro da realidade”.

Então os movimentos sociais são essenciais até mesmo para a continuidade da Defensoria Pública?

Vilma Reis: “Sem a sociedade e sem o movimento social organizado, articulado, com a sua polifonia, a Defensoria Pública em si perde seu sentido. É importante ter esse olhar aguçado para conversar com a sociedade, não tentando tutelar, substituir sua voz, porque a sociedade é mais forte e está sempre a frente das instituições. E dentro da ouvidoria, a minha voz também não é de substituir a voz da sociedade civil, tem que ser sempre de escuta, acolhimento e ouvir com uma qualidade capaz de que a minha atuação seja a tradução do que estou ouvindo e não de substituição da voz desses sujeitos políticos, que são sujeitos de conhecimento”.

Se a ouvidoria é a ponte com a sociedade, nos lugares ainda onde não existam as Ouvidorias, como a Defensoria pode se aproximar ainda mais com a sociedade até que sejam construídas essas pontes?

Vilma Reis: “Em geral o contato tem se dado por meio das Defensorias Públicas de Direitos Humanos, que é onde estão os defensores e defensoras designados para pautas mais de cunho social, pautas próximas dos movimentos sociais. Mas a gente não vai fazer Ouvidoria para pregar para aqueles que já estão convencidos. Quem vem para um núcleo de diretos humanos ou quem milita nos direitos humanos já está convencido. A ouvidoria é exatamente, muitas das vezes, para fazer a ponte nas áreas mais duras, áridas, onde  essa pauta não transita com a mesma facilidade que transita no direitos humanos”.

Sobre o I Encontro Nacional da Defensoria Pública com os Movimentos Sociais promovido pela ANADEP, qual sua percepção sobre a iniciativa?

Vilma Reis: “Nós participamos dessa construção desde o nosso Fórum em julho de 2015 em Cuiabá, Mato Grosso. O Heitor Baldez [Diretor de Articulação Social da ANADEP] foi ao encontro e se dispôs a conversar com as Ouvidorias externas, com esse Colégio de Ouvidorias. A gente queria fazer essa troca e estou muito feliz desse encontro ter acontecido com a participação de diversos movimentos, porque essa não era a realidade que estava posta nem em Minas Gerais, nem no contexto da própria da ANADEP.

Ascom/ ADEP-MG

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