A Defensoria Pública de Belo Horizonte tem sido muito provocada a trabalhar para soluções do atual déficit de moradia na cidade. “Essas demandas quase tomaram conta da minha agenda”, afirma a defensora Cleide Nepomuceno. Nesta entrevista, ela conta como está a situação do direito à moradia em Belo Horizonte e como a justiça trata os casos. Fala também das dificuldades que os moradores de ocupações urbanas passam diariamente para ter acesso a outros direitos, como educação, saúde e da relação com o Estado.

 

Brasil de Fato – Como está o cenário de    luta por moradia em Belo Horizonte?

 

Cleide Nepomuceno – Desde o surgimento da capital, aos pobres não restam alternativas senão a ocupação de áreas que não eram planejadas, dando início às primeiras favelas. Primeiro, a política era de remoção, sem previsão de qualquer reassentamento. Em 1983, com a política do pró-favela, o município começou a consentir que essas favelas fossem consolidadas e começou a fazer políticas de regularização e urbanização. Hoje, existe o programa Minha Casa Minha Vida, mas há 5 ou 6 anos não tinha programa nenhum para construção de moradia. Esse cenário de falta de políticas de acesso à moradia para solucionar o déficit quantitativo é o contexto no qual surgiram várias ocupações, como a Dandara, a Camilo Torres, a Irmã Dorothy, sem falar de outras mais antigas e outras de dois anos pra cá.

 

 

Quais são as políticas de habitação hoje?

 

Há o Minha Casa Minha Vida, um programa federal construído com o apoio dos municípios. O município é o ente responsável por indicar os beneficiários. Além disso, para que os empreendedores possam construir os apartamentos com recursos subsidiados, o município também precisa ajudar na doação de terrenos. Tem-se construído, é fato, mas a quantidade de apartamentos ainda não é suficiente para atender à demanda. Haja vista que esses apartamentos são sorteados, se é sorteio é porque é uma demanda maior. O número de ocupações que estão ocorrendo em Belo Horizonte e em Contagem também são provas de que a demanda habitacional ainda é muito grande. Não há políticas suficientes para se pensar no lugar dos pobres na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Muitos imóveis estão vazios só por especulação imobiliária.

 

 

A professora Ermínia Maricato, que esteve  semana passada em Belo Horizonte, afirmou que as nossas leis instituem o direito à moradia como absoluto e o direito à propriedade como relativo, mas a nossa Justiça inverte a situação. Você, que tem a função de levar esses assuntos até a Justiça, como vê o tratamento do Judiciário com a luta de moradia?

 

O Judiciário tende a ver o direito da propriedade como um direito absoluto. A gente ainda tem muita dificuldade de convencer o Judiciário de que, na hora de o proprietário pedir uma reintegração, ele tem que discutir a posse. Aquele proprietário tinha posse do imóvel? O imóvel cumpria sua função social? Não é simplesmente dar a posse a quem tem a propriedade. O Judiciário tem sido bem conservador ao conceder a reintegração de posse em nome do proprietário, em detrimento daqueles que ocupam a terra em nome do seu direito à moradia.

 

 

Por que o direito à moradia é um direito humano?

 

Porque é na moradia que o ser humano tem espaço de exercer sua dignidade. A moradia é uma necessidade para recompor as energias depois de um dia de trabalho. É ali o âmbito da família, do relacionamento com os entes queridos. Morar é um direito humano, e os tratados internacionais falam que a moradia tem que ser adequada. É importante a gente pensar: as ocupações garantem uma moradia adequada? Elas são o ideal? Na verdade não são. O ideal é que o pobre tivesse uma terra infraestruturada. O que é isso? Que ele tivesse direito de construir a sua casinha no seu lote, um lote dotado de água, luz, saneamento básico, ou então tivesse condição de adquirir sua casa ou seu apartamento. Isso é uma moradia adequada. Mas uma vez que as políticas públicas de acesso à moradia são ineficazes, as ocupações têm sido uma alternativa de solução para a moradia.

 

 

Como você vê as perspectivas da luta por moradia em BH?

 

Eu sou uma otimista incorrigível. Acredito que é possível solução. Hoje há recursos federais pra isso. E eu acho que as próprias pessoas organizadas, hoje, não vão admitir mais que não tenha lugar pra elas. Não é possível a gente admitir mais uma remoção que não preveja uma alternativa de moradia. Então, eu tenho esperança que Belo Horizonte possa ser pioneira em achar uma solução mediada para todas as ocupações urbanas em seu território.

 

 

Ciclo de Debates

 

O Ciclo de Debates sobre Reforma Urbana acontecerá todas as quartas-feiras de maio. No dia 21, o tema será Mobilidade Urbana, com exposição de André Veloso e Mariana Rebelatto, arquiteta do Coletivo Fora do Eixo. A entrada é gratuita. O debate será no Sindibel (avenida Afonso Pena, 726, 18º andar), às 19h.

 

Entrevista concedida a Brasil de Fato. Clique aqui e confira a versão no site.

Repórter: Maíra Gomes / Belo Horizonte (MG)

Foto: Noronha Rosa

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