Juiz de direito atuando na Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, Marcelo Semer fechou o ciclo de palestras do II Congresso Estadual dos Defensores Públicos de Minas Gerais na tarde de sexta-feira (28/11). Em mesa presidida pelo defensor público da comarca de Viçosa (MG), Glauco Rodrigues de Paula, no painel de Direito Penal, o magistrado abordou os Princípios da Insignificância e da lesividade na visão dos Tribunais.
Marcelo Semer levou para os congressistas sua avaliação do cenário atual, no que diz respeito ao direito penal, ao sistema prisional, e a influência da mídia em todos os processos. Preocupado com o alto número de prisões preventivas no país que, segundo ele, é um dos que mais prende, no mundo, repete como um refrão: “Quanto mais prendo, mais crime eu produzo”.
Em sua opinião, o encarceramento serve para obstaculizar a defesa de tal forma que consolide a pena, mas, ainda de acordo com ele, acontece também por uma questão de péssima gestão dos instrumentos de compensação da prisão provisória.
Hiperencarceramento gerou grande número de facções
Para o magistrado, o excesso de prisões provisórias acabou gerando mais crimes. “Não é uma quadrilha que vai presa, é a prisão que gera uma quadrilha. Ir para o encarceramento acabou gerando inúmeras facções, produto genuinamente nacional, 100% brasileiro. A situação é basicamente esta: Quanto mais eu prendo mais crime eu produzo”. Prosseguindo, Semer reconhece que o Brasil prende muito, rápido e mal, já que prendemos de forma seletiva e às vezes, desumana.
De acordo com ele, há uma falsa ilusão de que alguma coisa mudou, uma vez que banqueiros e empreiteiros também estão sendo presos. “O que vamos extrair da Operação Lava jato é extremamente negativo pelo fato de se criar uma nova prisão, a prisão provisória para delação, isto denota, na realidade, uma pressa processual. Isto é um regresso a época medieval, regresso à inquisição mais pura. O custo de assumirmos a prisão para delação, prisão para confissão, em que o réu que não colabora vai preso, é acabar vendo a prática sendo incorporada no nosso processo penal”, critica.
Criminologia midiática
O magistrado diz que cada vez mais juízes são influenciados pela mídia que clama por mais punição. “Na imprensa é esse tipo de juiz que recebe os aplausos. O juiz que investiga, que acusa, é apontado como aquele que combate a criminalidade. E o juiz não pode ser combatente da criminalidade. Se numa luta o juiz subir no ringue para bater, quem vai arbitrar a luta, quem vai mediar essa luta”?
Marcelo Semer defende a retomada do estudo dos princípios, por mais clássico, por mais antigo que isso possa parecer. Primeiro para reconhecer que o direito penal deve ser uma limitação do poder de punir. “Precisamos recuperar a força dos princípios. E criar mecanismos para contrair o poder punitivo. O principio, de todos os princípios, aquele que ficou mais desgastado desde a época de Beccaria (Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria) até agora, foi o princípio da intervenção mínima que é aquele que diz: Toda pena além do necessário é tirânica”.
Princípio da lesividade e da insignificância
A lesividade e a insignificância têm em comum, delimitar o âmbito do punir. Elas nascem das insuficiências da legalidade. O princípio da legalidade, diz Marcelo Semer, todos sabem, é um divisor de águas no direito penal. “A lei num primeiro momento libera, num segundo momento aprisiona. Descobre-se que fazendo a lei, podemos criar qualquer tipo de crime”, sentencia o juiz.
Á título de ilustração, Marcelo Semer cita o porte de munição, segundo ele, no entendimento do STJ a arma de brinquedo qualifica roubo. “Isso foi súmula que depois foi revogada e voltou. Toda questão ligada à arma é questão ligada a lesividade, porque a arma caracteriza ou aumenta o crime. Por outro lado, se ela não pode ferir, não há lesividade”, explica o magistrado.
Outro exemplo citado pelo magistrado diz respeito ao porte de entorpecentes. “No porte para uso próprio falece a ideia de lesividade, considera-se que a pessoa é lesiva apenas consigo, não com o outro”.
O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou na sua aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação. “Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado que não represente prejuízo importante, ao outro ou a sociedade”, avalia o juiz
Ascom/ ADEP-MG
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