A carência de defensores públicos é um dos principais motivos pelos quais presos, que poderiam ter suas penas reduzidas ou até serem libertos, ocupam as prisões do Estado

 

Todo brasileiro tem direito ao acesso à Justiça, mesmo quando não pode pagar por um advogado, segundo a Constituição. No entanto, no sistema prisional, esse acesso não é tão facilitado, como mostram os dados. Ao todo, são 56 mil presos para pouco mais de 20 mil vagas nas unidades prisionais do Estado. Muitos deles ainda nem tiveram seus processos julgados, ou seja, ocupam as celas mesmo sem a certeza de serem culpados, contribuindo para outro problema em Minas: a superlotação dos presídios.

 

Parte desse problema se dá pela falta de defensores públicos no Estado, que são os profissionais responsáveis por atender os presos que não têm condições de arcar financeiramente com os custeios do processo. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 80% dos brasileiros formam, potencialmente, o público que necessita da Defensoria Pública. Só que, das 296 comarcas mineiras, apenas 103 são cobertas por esse serviço. De acordo com o defensor público e assessor institucional da Defensoria Pública de Minas Gerais, Nikolas Stefany Macedo Katopodis, a quantidade de servidores ainda é insuficiente para atender esta demanda. “Hoje nós temos 590 defensores públicos em uma carreira que prevê 1.200 profissionais, ou seja, temos que trabalhar com metade do nosso contingente”, disse.

 

Foi por este motivo, inclusive, que no último dia 4 a Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 247 foi promulgada. Ela obriga que todas as comarcas do país tenham defensorias em, no máximo, oito anos. De acordo com o texto da PEC, o déficit total de defensores no Brasil é de 8.489 profissionais e apenas 59% dos cargos foram preenchidos.

 

Mas enquanto a solução definitiva não vem, entidades e órgãos oficiais implementam ações, como os mutirões carcerários, a fim de revisar as penas dos detentos que hoje ocupam as prisões do Estado. Uma dessas ações foi concluída em fevereiro deste ano em Minas Gerais pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na qual foram contabilizados 6.891 detentos apenas nos presídios da Comarca de Ribeirão das Neves, que são o Centro de Apoio Médico Pericial, o Presídio Inspetor José Martinho Drummond, o Presídio Antônio Dutra Ladeira, o Presídio Feminino José Abranches Gonçalves e as penitenciárias José Maria Alckmim e Parceria Público-Privada Unidades I e II.

 

Destes, 5.923 já foram condenados e 968 cumprem prisão provisória ou cautelar. Durante o mutirão carcerário foram analisadas 5.605 Guias de Execução Penal, sendo concedidos 1.130 benefícios como trabalho externo, saídas temporárias e indulto, benefícios previstos em lei, mas que nem sempre são dados aos presos no tempo certo. A ação resultou na libertação de quase 400 presos. Foram expedidos 386 alvarás de soltura, número que pode subir mais, já que ainda faltam 318 guias para serem analisadas.

 

Mutirão para sempre

 

O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG), Adilson Rocha, avalia a ação dos mutirões como positiva, mas faz um apelo: deveria ser permanente. “Tinha que haver uma equipe de juízes, promotores e defensores especialistas em execuções penais que fizessem constantemente visitas às comarcas dos Estados revisando os processos de réus já condenados”.

 

Rocha afirma ainda que o procedimento de execução criminal é extremamente dinâmico. “Em um espaço de 30 dias podem acontecer várias ocorrências em benefício ou prejuízo do réu. O mutirão é extremamente útil considerando que os juízes de execuções criminais não têm tempo para cuidar da execução penal, principalmente nas comarcas menores, em cidades do interior, onde há apenas um juiz para cuidar de todos os procedimentos como civil, criminal, do adolescente, da criança, além da execução penal”, pontua.

 

Ainda de acordo com o advogado, a revisão de penas é útil não apenas para os presos, mas também para a sociedade. “A sociedade paga em torno de R$ 3.000 por mês para manter uma pessoa presa, então, quando a pessoa está presa desnecessariamente, o prejuízo é todo nosso. Toda vez que é realizado, o mutirão mostra eficiência com a quantidade de benefícios concedidos”, disse.

 

Levando em consideração a informação do advogado e o pente-fino do mutirão em Ribeirão das Neves, após a libertação dos 386 presos, a economia para a sociedade seria de mais de R$ 1 milhão por mês.

 

Além disso, os mutirões servem também para inibir motins e rebeliões nas unidades prisionais. “A retirada de punições ilegais, além do alvará de soltura, funciona também para desestimular qualquer prática de motim dentro da prisão, já que o grande motivador dessas rebeliões é a ausência de assistência jurídica”, finalizou Rocha.

 

Consequências permanentes

 

Já o programa Libertas, realizado pela Defensoria Pública de Minas Gerais entre novembro de 2011 até o dia 31 de maio de 2014, teve, além de resultados positivos, uma forma de procedimento que não acabou ali. “Conseguimos estabelecer uma metodologia para atuar daqui pra frente. Antes, cada defensor agia de um jeito, mas, após o programa, padronizamos essa ação implantando a metodologia que vai nos ajudar a dar prosseguimento a esse trabalho em Minas”, explica o coordenador do Libertas, Nikolas Katopodis.

 

O balanço do projeto é muito positivo. “Nesses três anos de Libertas a meta foi cumprida e a gente encerrou o projeto, mas a metodologia continua, o atendimento vai continuar, as visitas às prisões irão continuar, a inspeção das unidades será mantida, e essa boa prática do Libertas também vai se manter como ação da Defensoria Pública”, diz.

 

O programa focou o atendimento não apenas na população carcerária, mas aos familiares dos presos. “Até então a ação da defensoria pública nas unidades prisionais era pulverizada, e não havia esse costume do defensor dentro do sistema prisional. Neste período do programa conseguimos identificar várias demandas e conseguir atuação conjunta entre diversos poderes estaduais”, disse  Katopodis, que afirma que é importante conhecer a realidade do sistema e as limitações do Estado, para daí começar a ajudar quem precisa.

 

Ainda para o assessor institucional da Defensoria Pública, o trabalho se estende também a fazer o preso entender que ele é também um sujeito de direitos. “Ele tem os mesmos direitos que qualquer cidadão brasileiro, como saúde, salvo, é claro, os direitos que ele perdeu ao cometer um delito”, explicou.

 

Sem defensor público

 

Em Bocaiúva, no Norte de Minas, um homem que pode ter sido preso injustamente aguarda a liberdade em regime fechado há cinco meses, tempo que poderia ser menor caso houvesse o auxílio de um defensor público. Sem nenhum antecedente criminal ou envolvimento com o mundo do crime, Gleisson Santos, 32, foi acusado de participar de um assalto no banco em que trabalha. Familiares especulam que o motivo possa ter sido o envolvimento da mulher dele com um dos policiais que realizaram a sua prisão.

 

Pouco antes do Carnaval, o funcionário de uma loja foi seguido por suspeitos em uma moto até o banco em que Gleisson trabalhava como segurança. A ação ocorreu do lado de fora do estabelecimento, quando os suspeitos renderam o funcionário e pegaram o malote de dinheiro que ele levava. Na noite do mesmo dia, segundo a família, policiais militares estiveram na casa de Gleisson e o chamaram para depôr sobre o assalto. No entanto, ao sair de casa, ele teria sido algemado e levado para a prisão, onde permanece preso em Boicaiúva.

 

A mãe do segurança conta que nunca viu o filho tão deprimido e que ele fala até em se matar. “Ele já trabalhou em várias outras agências e agora a vida dele acabou. O emprego era a vida dele, e para exercer essa função, ele não pode ter nenhuma passagem pela polícia. Quando ele foi preso eu fui ao quartel e fiquei lá até a manhã do outro dia. Ele contou que foi torturado para assumir a participação do crime, o que não existiu”, contou a mulher, que solicitou que seu nome não fosse divulgado.

 

Segundo ela, a única prova que a polícia tinha foi o celular dele, que continha o telefone de um dos suspeitos. “Este telefone ele tinha porque o Gleisson comprava caixas de cigarro com esse homem e pagava por mês. Não foi constatada nenhuma ligação com os suspeitos, além desta, e nem sequer houve registro de gravações de ligações entre os dois dias antes do crime”, contou a mãe do segurança.

 

Ainda de acordo com ela, os próprios suspeitos confirmaram não conhecer Gleisson e um dos envolvidos já foi até liberado da prisão. “Eu não consigo mais dormir pensando nele, em todo esse sofrimento, meu filho nunca fez nada, nunca teve uma atitude suspeita, era do trabalho para a casa, da casa pro trabalho, e agora acontece isso”, disse.

 

A assessoria da Polícia Civil confirmou que Gleisson permanece detido na cadeia da cidade, até que o caso dele seja julgado. Com isso, já se completam mais de cinco meses que o segurança está preso. Segundo familiares, ele será julgado na próxima sexta-feira (4).

 

 

Fonte: Jornal O Tempo –  online

Reportagem:  Juliana Baeta

 

Confira o texto no site do jornal O Tempo clicando aqui.

 

Recommended Posts

No comment yet, add your voice below!


Add a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *