Atualmente cerca de 15% dos processos de autoria da Defensoria Pública na Vara de Registros Públicos Civis são de usucapião, e dentre esse número, muitos tramitam na justiça há décadas. Esta situação demonstra o estrangulamento da justiça e a necessidade de aprimoramento administrativo do processo. E foi exatamente diante dessa necessidade de resolver esse problema que surgiu o projeto “Direito a Ser Dono”, que conta com o apoio da Administração Superior e com ampla cooperação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Até 2012 os processos de usucapião tramitavam em 35 Varas Cíveis do estado, porém, no fim daquele mesmo ano o TJMG alterou a competência e centralizou todos esses processos na Vara de Registros Públicos. Esta centralização possibilitou a constatação das diferentes etapas e métodos adotados pelas diversas varas. Diante dessa diversidade de parâmetros, a juíza Maria Luíza Rangel Pires, titular da Vara de Registros Públicos da capital, criou um critério padrão de análise dos processos de modo com que ficassem no mesmo curso.
Essa mudança de método, somado com a sobrecarga de trabalho devido ao remanejamento dos processos das 35 varas para a capital, fez com que os defensores públicos da área cível de Belo Horizonte e Contagem, com apoio da Administração Superior, suspendessem a atuação durante o prazo de 90 dias para que fosse possível analisar as pendências de cada processo em curso. Essa suspensão também foi feita pela juíza Maria Luíza Rangel Pires.
Primeira etapa
Com a possibilidade de dedicação exclusiva para a análise dos processos, essa primeira etapa, de acordo com o coordenador Cível da capital, Giovani Batista Manzo, contou com colaboração e trabalho intenso de três defensoras públicas da área Cível, o que permitiu identificar as singularidades e semelhanças de cada caso. “Quando concentramos todos os processos, conseguimos identificar quais os principais pontos de gargalo que acabam resultando na demora da sentença”, explicam o defensor. E desta observação, os defensores conseguiram identificar dois pontos centrais que prejudicam o andamento do processo.
O primeiro refere-se à citação dos confrontantes, ou seja, os vizinhos de muro, etapa que era demorada devido a necessidade de atuação de agentes de diferentes órgãos do governo. Diante deste problema, os defensores públicos envolvidos no projeto encontraram a possibilidade de determinar que a anuência do confrontante fosse antecipada. Isto baseado na Lei da Usucapião Extrajudicial (Lei 13.465/2017), que alterou o artigo 216 da Lei de Registros Públicos, dizendo que o oficial do registro pode fazer esta anuência. A partir disto, tendo vista a observância da legislação, percebeu-se que o defensor público ou advogado também poderiam fazer esta anuência.
Assim, sem a necessidade de autorização judicial, o defensor pode solicitar que a anuência seja realizada pelo próprio engenheiro responsável pela metragem do imóvel no período pré-processual. Para tal, é necessário apenas uma cópia da identidade e do comprovante de endereço da pessoa constatada enquanto vizinha na análise do engenheiro responsável. Através da realização da anuência pelo próprio engenheiro, esta etapa do processo, que era demorada, foi simplificada economizando em média dois anos do curso processual.
O segundo ponto observado para o aprimoramento administrativo do processo foi a possibilidade da consulta prévia de interesses dos entes federativos por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), Advocacia-Geral do Estado (AGE) e da Procuradoria-Geral do Município (PGM). De acordo com o defensor público, a execução desta etapa se faz por meio da cooperação entre as instituições, a qual ainda está em processo de realização de convênios. “A Defensoria Pública vem trabalhado na criação de convênios com estes órgãos para que o defensor consulte esse interesse dos entes federativos previamente ao ajuizamento da ação”, completa Giovani Manzo.
Lentidão
Todas estas etapas do processo, quando feitas separadamente e após o ajuizamento da ação, geram um dispêndio maior de tempo. Esse é o caso do processo da assistida I.E.S, que teve seu processo ajuizado em 2012, entretanto, as etapas descritas acima tiveram seu devido andamento apenas em 2016, após a chegada da última negativa de interesse dos órgãos federativos.
Para o defensor Giovani Manzo, esse recolhimento prévio retira do processo em média três anos de curso. “Após isto vem um ponto final que ajuda a desafogar o sistema de vez, que é a possibilidade de juntar no processo, depois de formatado contraditório, elementos de prova que venham a ajudar a formar a convicção do juiz”, descreve o defensor.
O coordenador cível da capital revela que os resultados positivos do projeto vão além dos seus efeitos no judiciário. “Quando reduzimos o tempo de espera da pessoa para ter o registro em mãos, não estamos dando só dignidade pelo nome no papel, estamos inserindo a pessoa no mercado de capital”, e completa que “o título de posse gera a possibilidade de venda e permite ao comprador de se valer de diversas formas de financiamentos. Desse modo, saem todos da informalidade e isto gera ganhos econômicos não apenas para o dono do imóvel, mas para toda região”, conclui o defensor.
Lançamento do Projeto
A partir de todo este trabalho prévio realizado pelos defensores da área cível, que se reuniram em mutirão para a análise de casos que faltassem elementos para a formação de convicção do juiz, é que foi possível a execução das 70 sentenças definitivas de registro de imóveis que foram entregues em cerimônia de lançamento do projeto, realizada no dia 21 de junho no auditório da Defensoria Pública. O vice-presidente da ADEP-MG, Flávio Wandeck, esteve presente na cerimônia de lançamento.
O projeto contará com mais duas etapas que ainda estão em desenvolvimento e serão discutidas com as instituições parceiras do projeto. A expectativa é que até o final do ano cerca de 45% a 65% dos acervos na Vara de Registros tenha sentença definitiva.
Fotos: ASCOM/DPMG
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